quinta-feira, 21 de junho de 2012

Noite escura

             
O dia perdeu sua luz, o obscurantismo recheia a alma de ignorância e arrogância, cegando o ser ingênuo e néscio, tornando-o um esquizofrênico devoto. Seu devotismo firma-se no pão e circo espiritual, no blá, blá, blá de uma pregação, na rígida liturgia fria e em belas canções sem conteúdo.
            Até quando matarão os profetas? Sua religiosidade azedou a doçura, a elegância deu lugar aos crápulas. Os charlatões são ovacionados desde que marque a ortodoxia na fronte ou na destra dos seus adoradores. Com esta marca se julgam únicos, detentores do exclusivismo da vida eterna onde só entram, comem e bebe quem a possuem. A graça com vocês perdeu a graça. Resta apenas a exclusividade, a intolerância e a indiferença, mas a maior delas é a indiferença.
            Onde estão os errantes pelos quais o mundo não é digno? Sua fé imutável maculou a caridade, a solidariedade deu lugar ao egoísmo da iminente salvação. Os doutos da santa-fé rezaram a cartilha do literalismo bíblico para abençoar o vácuo das mentes e o vazio dos corações. A paixão acabou e em seu lugar ficou o frenesi seguido de alvoroço, acompanhado de ativismo mecânico.
             Deus meu, Deus meu, porque nos desamparaste? A longa noite revela o proselitismo das igrejas. Templos caiados com modernas vaidades, mas que por dentro estão cheio de ossos de mortos, e de toda a imundícia. O eclesiástico abraçou o paganismo e a macumbaria criando um culto do faz de conta que oprime e reprime chamado também de espetáculo, show ou pare de sofrer, como se o culto fosse um amuleto divino. Algo semelhante foi visto no período medieval.
            Nos últimos dias, por acaso, achareis fé na terra? Essa fé que mascara a ética e se concentra em balelas especulativas indica que o interesse não está no testemunho, mas sim na letra infantilizadora. Essa igreja que encobre o amor prático e genuíno pelo amor fantasioso e controlador só demonstra que suas razões firmam-se na manipulação do crente e no comodismo de suas atitudes. Esse crente desvirtua as boas novas transformando-a má velha que teima no seu legalismo, sectarismo e dogmatismo. A fé deixou de ser fé para ser crença, o conteúdo passou a ser números, a humildade cristã em exaltação de placas eclesiais.
            Até quando viveremos esta noite escura? Tornei-me um marginal da fé quando pus lentes que me ajudaram a ver o que minha cegueira não contemplara - a graça. Marginalizei-me por que certo judeu marginalizado da periférica Nazaré me ensinou a viver uma vida a margem disso que chamam movimento evangélico. Uma vez rompi com o romanismo agora rompo com o movimento evangélico, e o que me resta no cristianismo? Apenas ser cristão. Muitos anos passaram-se, percebo que ainda há muito que aprender. A caminhada parece estar mais difícil, será que minha “Jerusalém” se aproxima?
            Anseio pelo nascer do dia. Desejo que a via dolorosa se torne em novo nascimento (nova fé, nova igreja, nova atitude) como ensinado por Jesus ou em ressurreição (refazer a fé, refazer a igreja, refazer a atitude) como refeito a vida na carne de Jesus que venceu a morte, ou seja, em qualquer delas a novidade de vida. Que o amor seja a única coisa absoluta na revelação e que o resto seja relativo. Que Deus seja supremo nos corações maduros das pessoas, que Cristo seja presente nos gestos ativos e que o seu Espírito seja formador da comunhão universal humana.
            Noite escura ou dia utópico? Que meu trabalho contribua para que o utópico ganhe a dimensão da realidade, mesmo que a realidade mate toda utopia. Dei Gratia.