O dia perdeu sua luz, o obscurantismo recheia a alma de
ignorância e arrogância, cegando o ser ingênuo e néscio, tornando-o um
esquizofrênico devoto. Seu devotismo firma-se no pão e circo espiritual, no
blá, blá, blá de uma pregação, na rígida liturgia fria e em belas canções sem
conteúdo.
Até quando
matarão os profetas? Sua religiosidade azedou a doçura, a elegância deu lugar
aos crápulas. Os charlatões são ovacionados desde que marque a ortodoxia na
fronte ou na destra dos seus adoradores. Com esta marca se julgam únicos,
detentores do exclusivismo da vida eterna onde só entram, comem e bebe quem a
possuem. A graça com vocês perdeu a graça. Resta apenas a exclusividade, a
intolerância e a indiferença, mas a maior delas é a indiferença.
Onde estão
os errantes pelos quais o mundo não é digno? Sua fé imutável maculou a
caridade, a solidariedade deu lugar ao egoísmo da iminente salvação. Os doutos
da santa-fé rezaram a cartilha do literalismo bíblico para abençoar o vácuo das
mentes e o vazio dos corações. A paixão acabou e em seu lugar ficou o frenesi
seguido de alvoroço, acompanhado de ativismo mecânico.
Deus meu, Deus meu, porque nos desamparaste? A
longa noite revela o proselitismo das igrejas. Templos caiados com modernas
vaidades, mas que por dentro estão cheio de ossos de mortos, e de toda a
imundícia. O eclesiástico abraçou o paganismo e a macumbaria criando um culto
do faz de conta que oprime e reprime chamado também de espetáculo, show ou pare de sofrer, como se o culto
fosse um amuleto divino. Algo semelhante foi visto no período medieval.
Nos últimos
dias, por acaso, achareis fé na terra? Essa fé que mascara a ética e se
concentra em balelas especulativas indica que o interesse não está no
testemunho, mas sim na letra infantilizadora. Essa igreja que encobre o amor
prático e genuíno pelo amor fantasioso e controlador só demonstra que suas
razões firmam-se na manipulação do crente e no comodismo de suas atitudes. Esse
crente desvirtua as boas novas transformando-a má velha que teima no seu
legalismo, sectarismo e dogmatismo. A fé deixou de ser fé para ser crença, o
conteúdo passou a ser números, a humildade cristã em exaltação de placas
eclesiais.
Até quando
viveremos esta noite escura? Tornei-me um marginal da fé quando pus lentes que
me ajudaram a ver o que minha cegueira não contemplara - a graça.
Marginalizei-me por que certo judeu marginalizado da periférica Nazaré me
ensinou a viver uma vida a margem disso que chamam movimento evangélico. Uma
vez rompi com o romanismo agora rompo com o movimento evangélico, e o que me
resta no cristianismo? Apenas ser cristão. Muitos anos passaram-se, percebo que
ainda há muito que aprender. A caminhada parece estar mais difícil, será que
minha “Jerusalém” se aproxima?
Anseio pelo
nascer do dia. Desejo que a via dolorosa se torne em novo nascimento (nova fé,
nova igreja, nova atitude) como ensinado por Jesus ou em ressurreição (refazer
a fé, refazer a igreja, refazer a atitude) como refeito a vida na carne de
Jesus que venceu a morte, ou seja, em qualquer delas a novidade de vida. Que o
amor seja a única coisa absoluta na revelação e que o resto seja relativo. Que
Deus seja supremo nos corações maduros das pessoas, que Cristo seja presente
nos gestos ativos e que o seu Espírito seja formador da comunhão universal
humana.
Noite
escura ou dia utópico? Que meu trabalho contribua para que o utópico ganhe a
dimensão da realidade, mesmo que a realidade mate toda utopia. Dei Gratia.
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